Doris Miranda
Zélia Gattai passou a vida fotografando. As coisas de casa, as viagens, os filhos, o marido. Ela registrava tudo o que via e, por causa do escritor Jorge Amado (1912-2001), com quem foi casada por meio século, teve a sorte de conviver com diversas personalidades ilustres, intelectuais, escritores e artistas que deixaram sua marca na segunda metade do século XX. Sempre com a máquina fotográfica em punho, Zélia nunca deixou esses encontros passarem em branco. São imagens que se transformaram em documentos biográficos, como o público pode conferir na exposição Zélia Gattai Amado fotógrafa – Um olhar imortal, que toma conta a partir de sábado, às 11h, da Reserva Imbassaí (Litoral Norte), onde permanece até 30 de setembro.
“A obra fotográfica de Zélia Gattai Amado não se resume ao registro histórico. Ela é de grande qualidade técnica e traduz uma sensibilidade e um senso de oportunidade ímpares”, define a filha Paloma Amado, que em parceria com a fotógrafa Arlete Soares é responsável pela curadoria da mostra. Num tom memorialista, assim como a vasta obra literária de Zélia, a dupla vasculhou milhares de negativos para selecionar apenas 36 instantes de absoluta espontaneidade. Um Jorge Amado oferecendo a caneta como poleiro para o passarinho enxerido; um Oscar Niemeyer, descontraído, relaxando de roupão; e o escritor Pablo Neruda e sua mulher, Matilde, curiosos, em visita a um templo na Índia.
Outro casal famoso também marca presença na exposição: os pensadores Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir numa visita inusitada a uma tribo indígena. Ele, tímido, quase desconcertado, com seu pequeno cocar de penas coloridas. Ela, ao contrário, radiante com seu penacho, um quase chapéu art nouveau na cabeça. Fazem parte da mostra ainda imagens de Pablo Picasso, Caetano Veloso, Moacyr Scliar e, claro, legítimos momentos da família Amado na casa do Rio Vermelho e da juventude da autora. Acompanham as imagens textos retirados dos livros Navegação de cabotagem e Bahia de todos os santos, livros de Jorge que fazem referência às personalidades retratadas.
Zélia nunca escondeu o prazer que tem pela fotografia. Nunca precisou de desculpa para clicar nada. Sob o seu olhar, registou o crescimento da família, as viagens mundo afora, cenários que já não existem mais, o cotidiano em casa. Por mais que tivesse assunto para registrar, ela nunca deixou de focar no principal modelo de sua carreira: o próprio marido. Das milhares de fotos que coleciona, Jorge deve figurar em cerca de 80%. Sozinho ou cercado de amigos, como se vê nessa exposição ou no livro Jorge Amado – Reportagem incompleta, não importa. Era para ele que a escritora paulista sempre disparava a maior quantidade de cliques.
Correio da Bahia (BA) 5/7/2007
06/07/2007 - Atualizada em 05/07/2007