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Artigos

  • Não reclamo, entristeço - Parte 2

    Estadão Online, em 20/03/2022

    Nesta Rua João Moura havia um referencial, a Casa do Choro, famosa, lotada, grandes nomes da MPB passavam por ali. De repente, não existiu mais. Não tenho certeza se o lugar se transformou na agência dos Correios ou se o sucessor foi o Soweto, exclusivo dos negros, onde ia quem queria dançar e ouvir boa música. Fechou há muito, as fundações de um novo prédio brotam. Algumas lojinhas de antiguidades, muitas árvores, muitas frutas nos quintais dos sobradinhos. Em um deles, eu me encontrava com uma namorada, Lu Franco, redatora de publicidade que me deu o título - que Jabor adorava e invejava - do meu romance O Beijo Não Vem da Boca.

  • Passeando pela memória - 1

    Estadão Online, em 06/03/2022

    Quando chegamos à Rua João Moura, há 30 anos, respiramos e dissemos: é aqui. Lugar calmo, a passagem de quem vinha do lado de lá da Rebouças estava fechada, o trânsito era mínimo. Paisagem quase bucólica, ar de interior. Do lado esquerdo de quem vai em direção à Teodoro Sampaio, era um corredor de sobrados bucólicos e coloridos, quintais superarborizados, frutíferos. 

  • Ainda existe solidariedade

    O Estado de S. Paulo, em 20/02/2022

    Há duas semanas, minha mulher e uma amiga chegavam de carro em Cangalha, Minas Gerais, para passar uns dias em meio à natureza. Como as chuvas solapavam a estrada de terra que dá acesso à nossa casa, Marcia, na hora de enfrentar uma ladeira, onde todos atolam, o que viu?

  • Com Vera Fischer e Grace Jones

    O Estado de S. Paulo, em 06/02/2022

    No final do espetáculo São Paulo, no Teatro Unimed (não percam), Regina Braga dá um grito: Eu sou São Paulo. Parte da plateia fez eco: Eu sou São Paulo. Vivi 21 anos em Araraquara e 64 em São Paulo. Sou paulistano, ainda que seja araraquarense. Digo mais, há uma terceira cidade à qual pertenço, Berlim. A gente pertence aos lugares onde é ou foi feliz.

  • O javaporco

    O Estado de S. Paulo, em 23/01/2022

    Semana passada, em um país da América Latina, fi-quei impressionado com o javaporco, nas conversas com um amigo. Ele é plantador de oliveiras, milho, mandioca, abacates, cerejas, verduras, frutas, tudo com paixão. No entanto, mostrava-se intranquilo com pesada ameaça que vem crescendo e preocupa agricultores, a disseminação dos javapor-cos. 

  • Meu blazer e um tal Boric

    O Estado de S. Paulo, em 09/01/2022

    Não sei quantos perderam casacos, blazers, paletós ao longo da vida. Quanto a mim, devo ser recordista em perdê-los. Não sei se tem significado. Esquecimento, distração, fagulhas de que a nossa mente se desmorona? Há quem interprete tudo, gestos, palavras. Aos oito anos, um parente me deu uma capa de chuva marrom, de segunda mão. Fiquei fissurado. Tia Maria, costureira, transformou-a em um mantô. Meu bem mais precioso. Certa noite, fomos à quermesse da igreja de Santa Cruz, minha mãe era cozinheira em uma das barracas, que tinha frangos, quitutes, quentão... Dez da noite, meu avô Vital foi nos buscar, mamãe nos preparou dois cachorros-quentes e Luiz, meu irmão, e eu voltamos para casa a pé. Cheguei em casa, dei conta, com tristeza, que tinha esquecido meu mantô na barraca. Voltar? Vovô, já velho, disse não, que eu aprendesse a zelar pelas minhas coisas. Rezei esperando que minha mãe percebesse. Não percebeu.

  • Feliz final dos tempos

    O Estado de S. Paulo , em 26/12/2021

    Todos escrevem textos para levantar o astral no fim de ano. Tentei, travei. Chavões, clichês, um Natal cheio de alegrias, amor, solidariedade, mundo novo, nova vida, tempo de esperança? Qual é? Com o que está aí? E com ELE lá! Escrevia, deletava tudo soava falso. Como provocar alento?

  • Mila, sei, fiquei devendo

    O Estado de S. Paulo, em 12/12/2021

    Noite de março de 2010. Na posse de Maria Adelaide Amaral na Academia Paulista de Letras, vi aquela mulher deslumbrante em pé, lá atrás. Corri e abracei Mila Moreira, que me cobrou: 'Quando vai escrever minha história, me conhece tanto. Quantas vezes falamos sobre isso?'. Foi a última vez que nos vimos. Continuava a mesma mulher magra, alta, bonita, sensual: 'Acho que tenho bastante coisa do mundo da moda e da televisão. Ainda me lembro quando à tarde eu ia ao jornal, você estava escrevendo, eu ficava olhando, perguntando, achava incrível ser jornalista. Eu te dizia: ainda vou ser muita coisa. Veja só, eu tinha 15 anos'. Lembrei, anos 1960, ela era pura malícia, riso.

     

  • A descoberta do caju

    Folha de S. Paulo, em 28/11/2021

    Quando cheguei ao Santo Orégano, na Praia do Riacho Doce, em Maceió, vi que o “velho” Prata, como seu filho Antonio o designa, apesar de ele ter dez anos menos do que eu, veio com um sorriso e uma fruta na mão. Prata ou Pratinha, fizemos carreiras paralelas, invejei quando ele se tornou telenovelista. Cronistas somos. Em um momento namoramos a mesma mulher. Coisas passadas.

  • Partir é nosso destino

    Folha de S. Paulo, em 14/11/2021

    Em março de 1982, desci em Berlim para um dos períodos mais estimulantes e felizes de minha vida. Fui convidado pelo Daad, Serviço Alemão de Intercâmbio Cultural, era um dia escuro, o inverno terminava. “Estou aqui sozinho, nada sei deste lugar, tenho de aprender tudo. É como renascer.” 

    Estava com 46 anos, tinha deixado uma ex-mulher e dois filhos para trás, Daniel e André. O funcionário do Daad levou-me a um apartamento que um físico alugara à instituição, enquanto trabalhava na Suíça. Fiquei horas, meio catatônico, lendo lombadas de livros de física e matemática em alemão, até que a campainha soou, entrou Victor Klagsbrunn, economista brasileiro, exilado, que me pôs no carro e me levou à casa dele. 

  • Fernanda Montenegro, um nome que vem iluminando o Brasil

    Estadão Online, em 05/11/2021

    Há uma frase que tenho repetido como um mantra e que funciona em minha trajetória. A vida lança no espaço vários pontos que parecem desconexos e depois liga um a um. Numa noite de 1958, eu ainda me adaptava a São Paulo e uma jornalista do Última Hora, Yvonne Fellman, me convidou para ir ao TBC assistir à estreia de Pedreira das Almas, de Jorge Andrade.

  • Ele não quis o celular

    O Estado de S. Paulo, em 31/10/2021

    Todos o conhecem pelo apelido, Dono. Quando se pergunta sobre o nome, ele diz que um dia alguém assim o chamou e assim continuou pela vida toda. Deve ter 50 anos. Quando você estende a mão, ele abre um sorriso, feliz por te ver. É cordial, parece que tudo está sempre bem. A menos que uma de suas plantinhas, como ele as chama, da horta da Sueli e do Ivo não esteja se desenvolvendo como ele pretende. Ou como devia. Fica ali um tempão a olhar para ela, tentando descobrir a razão. Pouca água? Ou muita? Agrotóxicos não existem em seu vocabulário. Realmente não foi uma muda bem tirada? Muda boa tem de ser conseguida com jeito e carinho. Dono sabe o temperamento de cada verdura, flor, fruta.

  • Ânsia que refaz e alegra

    O Estado de S. Paulo, em 17/10/2021

    Minha terceira mudança neste jornal. A partir de agora, estarei aqui aos domingos, ao lado de Karnal e Hatoum. Bem acompanhado, dizem no interior. Comecei aos domingos no caderno Cidades, passei para as sextas-feiras no Caderno 2. E finalmente migrei para o Na Quarentena. Mudar faz bem, excita, anima. Você tem de se refazer, reaprender.

  • A tarde em que tudo apagou

    O Estado de S. Paulo, em 08/10/2021

    Para Laine Milan

    Aí, um poder superior (qual?) disse: Haja apagão. E houve. E todos viram que o apagão era ruim. E o poder superior (qual?) dividiu o apagão entre WhatsApp e Facebook. E houve choro, convulsões e desespero. Todos perplexos, atemorizados, sacudiam seus aparelhos inertes. Sempre achamos que uma sacudidela resolve. Teria tudo acabado naquela segunda-feira? Morreu o WhatsApp? Como viver? Suportar? A própria pandemia pareceu uma gripezinha, como dizia o destemperado. As pessoas, estupefatas, murmuravam: isso é impossível. Tão absurdo como acabar com o desmatamento no Amazonas ou o ministro da Educação conseguir somar dois mais dois.

  • Sherazade vence a morte

    O Estado de S. Paulo, em 24/09/2021

    Eu era criança e ficava feliz quando meus pais me levavam à casa de Maria do Carmo Mendonça, parente cujo grau jamais consegui decifrar. A família dela tinha posses, uma casa boa, geladeira. Ter geladeira era indício de bem situado. Nada disso me importava, Maria do Carmo era dona de dois tesouros: a coleção completa da revista Tico-Tico e a coleção completa da Biblioteca Infantil Melhoramentos, mais de cem volumes. Havia um acordo entre ela e meu pai. Ela me emprestava um exemplar por vez da Biblioteca Infantil ou de O Tico-Tico. Cada vez que eu devolvia, ela examinava com lupa se não havia manchas de dedos sujos, nada rasgado, perfeito estado de conservação. Assim, aprendi a cuidar de livros.