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Sapatos do repuxo

 

Não tenho mais domingo igual àquela pedra imensa, o rio anda com sapatos do repuxo, as palavras ainda são rápidas como peixes. As fábulas pulam verdes, iguais às rãs.
 
E encostado numa árvore, já não arrolo nada e começo devagar a morrer, mesmo que a infância nunca morra. Nem envelhece jamais. Porque não conta tempo, conta luz.
 
Tinha um cão que saía da infância e se chamava “Lex” efeneceu sem latir artigo algum. Deitou-se azul e foi sumindo. E ficou uma mancha celeste, onde as comitivas das formigas se reúnem.

Além, há o jarro da lua no tambo do céu, o tombar da lustral água da noite. O jarro da luz no receoso calcanhar da escuridão .

Com nenhuma palavra o leite brota. Com todas, transborda. Porque é na realidade que o sonho habita. E há que sugar este sonho branco sem a intempérie do abismo.
 
Cada gota tem o seivoso vigor da manhã e cada manhã é o cântaro na beira da estrada. E a vaca sonolenta é o nome duradouro de uma estrela.
 
O tempo não cicatriza, o tempo não. Dizia Robinson Crusoé que vivera a silenciosa existência numa ilha, que “havia muita fala” no mundo. Até uma fala demasiada. Porque a infância não envelhece nunca.

Diário da Manhã (GO), 11/10/2010