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Renan contra o Judiciário

 

Em meio à verdadeira cruzada do senador Renan Calheiros contra o Poder Judiciário, na tentativa obsessiva de aprovar uma legislação que o coloque sob controle, o presidente do Senado vem encontrando, nas falhas das acusações, motivos suficientes para ganhar tempo nas diversas denúncias que tem contra si. 

Ontem mesmo, enquanto Calheiros ressuscitava, aparentemente de maneira não-regimental, um projeto de abuso de autoridade de 1977 que já foi aprovado na Câmara, mas que fora arquivado no Senado, o ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), devolveu à Procuradoria-Geral da República (PGR) uma denúncia contra o presidente do Senado para que seja completada corretamente, com os documentos correspondentes às diligências feitas pela Polícia Federal. 

O Procurador-Geral alegou que encontrara “novos elementos de prova” que prescindiam da atuação da Polícia Federal, o que pode indicar uma dissonância entre a PGR e a Polícia Federal que pode beneficiar Renan Calheiros, denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro num esquema de favorecimento da empreiteira Serveng, que teria rendido R$ 800 mil lavados em forma de doação oficial para campanha. 

Calheiros e demais envolvidos negam a existência de tal delito, e mais uma vez a apresentação defeituosa de provas pode beneficiar o presidente do Senado. No julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que aceitou a denúncia de peculato contra ele, Renan Calheiros foi beneficiado por falhas na denúncia da Procuradoria-Geral da República apontadas por diversos ministros. 

O relator Luiz Fachin recusou a denúncia do crime de falsidade ideológica de documento público e do uso desses documentos, considerando que houve falha técnica por parte da PGR, porque a denúncia não detalhou quais documentos seriam falsos. Embora vários ministros que aceitaram essa parte da denúncia considerassem que sua rejeição era um exagero, pois na próxima fase, a de investigação, as dúvidas poderiam ser esclarecidas, o ministro Fachin foi incisivo afirmando que “a ordem constitucional impõe que a peça acusatória indique de forma clara e precisa os fatos penalmente relevantes e suas circunstâncias, que devem ser atribuídas ao acusado”. 

O ministro Gilmar Mendes, um dos três que recusaram todas as denúncias contra Renan Calheiros, questionou a qualidade da denúncia criticando as investigações da Procuradoria-Geral da República, que continham, segundo ele, “diversas bizarrices". 

Mendes afirmou que havia muitas falhas na investigação, como a não existência de notas fiscais e falta de provas de que o serviço fora prestado, apesar da sua longa duração – começou em 2007 e terminou em 2011 -, sendo que a denúncia só foi apresentada em 2013.  

Já o ministro Dias Toffoli, outro que absolveu Calheiros de todas as denúncias, alegou que “extrair-se que houve a inexistência da prestação do serviço, em razão da mera ausência de registro bancário de pagamento, traduz, além de insuficiência narrativa, geradora de inépcia, uma ilação sem base empírica idônea, uma conjectura do órgão acusador”. 

Essas alegadas falhas processuais identificadas por uma minoria do plenário do Supremo podem ser motivo de punição de procuradores e juízes caso o presidente do Senado consiga aprovar uma lei de abuso de autoridade que está colocando em votação. 

Uma parte do esforço de Renan Calheiros para constranger o Poder Judiciário foi prejudicada ontem mesmo pela decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux de devolver à Câmara as dez medidas contra a corrupção apresentadas pelo Ministério Público, com base em uma ação popular. 

Na votação da Câmara, foram incluídas medidas de punição contra membros do Ministério Público e Juízes, na mesma linha da legislação de abuso de autoridade que Renan Calheiros quer aprovar. O ministro Luiz Fux em sua decisão diz que a proposta original de iniciativa popular não pode ser desfigurada para "simular apoio público a um texto essencialmente distinto do subscrito por milhões de eleitores". 

O ministro disse que houve "sobreposição do anseio popular pelos interesses parlamentares ordinários".

O Globo, 15/12/2016