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A Recife universal do tecelão Mauro Mota

 

Nascido no Recife em 16 de agosto de 1911 e morto em novembro de 1984, Mauro Mota foi jornalista e ensaísta. Pertenceu à Academia Brasileira de Letras, eleito para a cadeira nº 26, quando competiu com Thiers Martins Moreira, tendo Laurindo Rabelo como patrono; Guimarães Passos como fundador; Paulo Barreto, Constâncio Alves, Ribeiro Couto e Gilberto Amado, como antecessores; e sendo sucedido por Marcos Vilaça, seu conterrâneo.


Publicou vários livros de poesia: Elegias (1952), A tecelã (1956), Os epitáfios (1959), O galo e o catavento (1962), Canto ao meio (1964), reunidos em Itinerário (1975) e, por último, Pernambucânia (1979).


Recebeu o Prêmio Olavo Bilac, da ABL, o Prêmio da Academia Pernambucana de Letras, o Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, e o Prêmio do Pen Clube do Brasil. Dirigiu o Diário de Pernambuco e colaborou no Correio da Manhã e no Diário de Notícias, dirigindo também o Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais.


Manteve-se afastado daquele formalismo da Geração de 45, sem o espectro originalíssimo e adensado de um João Cabral de Melo Neto, possuindo, entretanto, o encantatório que caracterizou Mario Quintana e vinculando-se a Augusto dos Anjos.


Dizia Mauro: ''Eu e o Recife somos dois prolongamentos um do outro.


Suas manhãs são macias e suas auroras são verdes, vindas dos canaviais, com os bichos típicos da mata e com os bichos urbanos de minha cidade maurícia, inclusive a tecelã, cuja vida miserável retratei em versos, os domingos coloridos de acácias, as ioles no Capibaribe, os biquínis na Praia da Boa Viagem, os silêncios que falam no pátio de São Pedro e o galo de metal girando no catavento''.


Mário Pederneiras, de ressonância européia, confluiu como um Antônio Nobre a essa linguagem mais simples, mais livre e mais citadina. Musical, visualíssimo, com a parcimônia de um metalúrgico ou tecelão de versos, nele nada se perde, tudo se transfere, do prisma vocabular para o arquitetônico e, deste, a uma outra porção na sombra, o fantástico e o alegórico.


Eis alguns poemas seus, de vigorosa entonação lírica, como o antológico Os sapatos, com este final: ''Dos longos caminhos dantes, só ficaram sete palmos. Serei o moço calçado, de olhos abertos, confiantes, em novos itinerários, dos sapatos soluçantes''.


Ou então a Elegia nº 1: ''Vejo-te morta. As brancas mãos pendentes. Delas, agora, sem querer, libertas a alma dos gestos e, dos lábios quentes, ainda, as frases pensadas só em certas tardes perdidas''.


Ou ainda o Boletim sentimental da guerra no Recife, com a comiseração pelas meninas na guerra, em fundo sarcasmo, aproximando-o de Vinicius de Moraes no tom piedoso. Poeta da dor na infância no Recife, de uma modéstia bandeireana, revela mais do que sugere quando adverte as meninas recifenses da década de 40, em plena guerra, entregando-se aos monstros louros do Norte: ''Meninas, tristes meninas, vossos dramas recordai, quando eles, no armistício, vos disserem goodbye''.


Outro instante inesquecível é A tecelã: ''Há muita gente na rua, parada no meio-fio. Nem liga importância à tua, blusa rota de operária. Vestes o Recife, e voltas, para casa quase nua''.


Observem também a habilidade desta descrição goyesca do Fuzilado: ''Um límpido clarão antes do fogo. Com o peito sangrante na agonia, que recompensa começo a ter? O que através do muro ele antevia?''.


Sua arte poética tem um fundo simbólico, sobre temas nordestinos, com retratos dos dramas cotidianos em linguagem espontânea e natural, ao alcance de qualquer leitor.


Seu clima é o mesmo dos romances de José Lins do Rêgo e do ensaio de Casa-grande & senzala ou Sobrados e mocambos, de Gilberto Freyre. E um gosto de infância manuelina, sabor de cajá, as botijas, as esporas, o ruço-pombo - cada palavra é um dicionário invencível e divinatório de um Pernambuco antigo e universal. Fora de moda? Não. É a moda que está fora de moda. Por escrever dentro de uma ''palavra essencial''. E que nos reconhece.


Assim foi Mauro Ramos de Mota e Albuquerque, um excepcional poeta e um admirável pernambucano, que tanto honrou a poesia brasileira.




Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 10/08/2005

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 10/08/2005