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Organizar a bagunça

 

A crise econômica pode ter efeitos colaterais saudáveis. Como O Globo mostrou em reportagem recente, há boas indicações de que uma reforma política básica pode ser aprovada no Congresso, agora que a proibição de financiamento por empresas está em vigor e os reflexos da retração da economia chegaram aos partidos políticos.

Está sendo alcançado um consenso no Congresso para a aprovação de um projeto de emenda constitucional de autoria do senador Ricardo Ferraço, do PSDB, para a instituição da cláusula de barreiras e o fim das coligações proporcionais. Com o apoio do presidente interino Michel

Temer, que ontem recebeu o presidente do PSDB, senador Aécio Neves, e do novo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a PEC pode ser aprovada.

Pelos cálculos dos especialistas, as duas medidas teriam o efeito de reduzir radicalmente o número de partidos com atuação plena no Congresso. Mesmo que não fosse proibido, o financiamento de empresas estaria comprometido pelas investigações da Operação Lava Jato e seus filhotes, como a Custo Brasil que flagrou a exploração do empréstimo consignado para financiamentos de campanhas políticas de graúdos petistas, como o ex-ministro Paulo Bernardo, indiciado pela Polícia Federal.

Sem ter para onde correr, os partidos políticos mais relevantes descobriram que a verba do Fundo Partidário não pode ser desperdiçada com siglas de aluguel. Há no Congresso em atividade parlamentar 28 partidos, dos 35 existentes. O Fundo Partidário deste ano aumentou de R$ 311 milhões para R$ 819 milhões, já com a finalidade de suprir deficiências financeiras previstas com a nova legislação.

Mas o que torna a legislação eleitoral um incentivo para a criação de partidos políticos é que todos os legalizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) têm direito a dividir igualmente 5% desse valor, o que quer dizer que todos receberão no mínimo mais de R$ 1 milhão este ano. A redução de partidos com condições de atuar no Congresso, de 35 para 10 a 12, viria acompanhada de uma legislação que vetaria o financiamento oficial de partidos que não tivessem a votação mínima de 2% do eleitorado, espalhados no mínimo por 14 Estados.

A partir de 2022, essa exigência de desempenho passaria a ser de 3% dos votos totais, mantendo-se o mínimo de 2% em cada um de 14 Estados. Bem menos do que a legislação anterior, que foi invalidada pelo Supremo Tribunal Federal, que exigia um mínimo de 5% dos votos nacionais.

Prevaleceu na decisão do STF naquela ocasião a tese de que as cláusulas de barreira impedem a pluralidade partidária e seriam maléficas à democracia, e por isso mesmo inconstitucionais. Os políticos que defendiam a adoção dessas exigências para controlar a fragmentação partidária temiam que elas fossem conhecidas como “cláusulas de barreira” ou de “exclusão”, pois pressentiam que a denominação poderia ser usada, como de fato foi, para classificar as regras de preconceituosas.

A ministra Carmem Lúcia, que presidirá o STF a partir de setembro, usou sempre a expressão “cláusula de exclusão”, para dizer que já pelo nome não gostava da ideia.

Em termos gerais, a norma estabelecia que os partidos com menos de 5% dos votos nacionais não poderiam indicar titulares para as comissões, não teriam direito à liderança ou cargos na Mesa Diretora, bem como perderiam recursos do fundo partidário e ficariam com tempo restrito de propaganda eleitoral em rede nacional de rádio e de televisão.

O parágrafo 7º da proposição, lembra Ferraço, expressamente garante aos eleitos por partidos que não alcançarem o funcionamento parlamentar o direito de participar de todos os atos inerentes ao exercício do mandato.

Na proposta atual do senador Ricardo Ferraço, os partidos que não atingirem o mínimo de votos poderão exercer todas as atividades parlamentares, menos receber o Fundo Partidário e o tempo de propagando eleitoral gratuita, e seus representantes não poderão propor matérias constitucionais.  

Os parlamentares de partidos que não atingirem a votação exigida poderão, se quiserem, trocar de legenda sem perder o mandato, mas não levam consigo o tempo de televisão nem o fundo partidário proporcional à sua votação. Os demais terão que permanecer nos partidos que os elegeram pelo menos durante o mandato.

São medidas que ainda poderão ser modificadas no Congresso, mas que darão uma nova dinâmica à atuação parlamentar, tornando-a mais coerente com programas e projetos partidários.

O Globo, 28/07/2016