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O ministro Gilmar Mendes e seu novo livro

 

Acaba de sair Estado de Direito e Jurisdição Constitucional (2002 - 2010), pela editora Saraiva e pelo Instituto Nacional de Direito Público, do eminente ministro do Supremo Gilmar Ferreira Mendes, notável constitucionalista. Mais que um livro, é uma enciclopédia de julgados do mais alto Pretório do País, reunindo, em 1.451 páginas, as decisões relevantes nos nove anos de atuação naquele tribunal.

Se há uma natural discricionariedade na escolha dos arestos, apresenta-se com classificação temática, faclitando a percepção dos leitores. E não me refiro apenas ao tratamento dos direitos humanos no ordenamento jurídico, que, aqui, encontra completude. Vale salientar a plena aplicabilidade que concede à Carta  de 1988, com harmonia entre os poderes e a solidificação do Estado brasileiro, delimitando até o seu instrumental de perseguição ou terror.

Portanto, é um serviço à nacionalidade. É tão amplo o elenco de decisões que se torna de uso obrigatório para magistrados, promotores advogados no diário exercício funcional, e aos cientistas na exegese do equilíbrio social. Exemplos sem conta se descortinam a respeito das mais variadas questões, como a do direito do defensor a ter acesso aos autos do inquérito, ou a respeito da não incidência na hipótese de flagrante constrangimento ilegal, ou em ausência de justa causa para denúncia, ou mesmo ocorrendo insuficiência de instrução para extradição, entre outros.

Impressionantes e atuais, as análises sobre segurança jurídica, direito adquirido e interpretação constitucional, estudando a irretroatividade das leis, a responsabilidade civil do Estado e matérias congêneres. Inclusive o decisório, de imensa repercussão, sobre a execução de políticas públicas sobre as terras indígenas, ou o efeito vinculante das declarações de constitucionalidade, ou as inelegibidades, ou a jurisprudência de que o mandato pertence ao partido, ou a tão divulgada lei da ficha limpa.

Tratando de outras matérias polêmicas que tomaram espaço na imprensa - tais como as Operações Anaconda, Furacão e Satiagraha, as ditas arbitrariedades da polícia federal e o entrechoque entre as posições do Ministro Gilmar e do  Juiz Fausto de Santis quando do habeas corpus que concedeu ao empresário Daniel Dantas- é o mais completo repositório judicativo de nossa Constituição. Impõe-se  este livro também pela abrangência dos assuntos, a linguagem límpida, a argumentação sólida, e a coragem de arrostar os grandes temas do nosso tempo, firmando e alargando os traçõs da cidadania e da democracia.

À página 38 somos alertados para o fato de que, a certa altura da investigação contra a construtora Gauatama, "tudo estava a indicar que setores da Polícia haviam incorporado métodos ilícitos para obter a decretação de prisões provisórias requeridas e evitar a concessão de ordem de habeas corpus". No entender do Ministro Gilmar, "o chamado combate à impunidade" não pode ser "justificativa à utilização de todos os métodos e a prática de sistemática  atemorização".

Logo adiante, na página 44, há um alerta sobre a Satiagraha que merece reflexão: "Uma operação policial dessa envergadura - com tantos equívocos republicanos, e movimentada com a quantidade de dinheiro facilmente observada - deixa sempre no ar o receio de que o Estado, através de sua Polícia mal conduzida, tenha sido manobrado para apoiar um dos lados de alguma contenda empresarial internacional".

O Padre Antonio Vieira, numa de suas geniais assertivas, afirmava que "mais custa o alcançar que o merecer". No caso desta sábia e lúcida enciclopédia jurídica, há tanto o merecer pela profundidade dos conceitos, a clareza e a erudição com que os referenda, como sei, de antemão, que alcançará  a mais absorvente atenção e ensinamento nas consultas e na atualizada bibliografia. E se Montaigne tinha a frase memorável de que "nada faço sem alegria", é com alegria que registro a publicação dessa obra, que revela, nos avanços da jurisprudência, a aplicabilidade da Lei Maior.

Jornal do Commercio (RJ), 26/10/2011