Um dos maiores poetas brasileiros, Lêdo Ivo acaba de publicar delicioso livro de ensaios – O Ajudante de Mentiroso (editora Educam/ABL, 2009), que não pode deixar de ser lido pela importância e agudeza. Lêdo não só possui um dos mais belos estilos, é, ao mesmo tempo, aliciante e irônico, com a picardia de quem sabe da confissão e do ocultamento. Sobre a ficção, alega que todos falamos a verdade e mentimos e que ele, crítico, não passa de um ajudante de mentiroso. Observa que as ciências envelhecem mais que a literatura e que a suprema função humana é a de um animal criativo.
Este livro trata das memórias ou aventuras de um leitor inveterado, um leitor, portanto, do “reino da mentira fundado na experiência da imaginação”, onde espíritos “matinais ou pedestres”, herdeiros da tradição, tornam-se usuários também da imaginação da experiência. Porque de experimentar se imagina e de imaginar se constrói. Fala de Clarice, Lins do Rego e sua língua da vida; defende a isenção de Alagoas e os fantasmas inumeráveis do antigo seminarista PC Farias; versa sobre os navios parnasianos, onde os poetas perderam a condição de gênios, magos e profetas, anotando ser a poesia, como acreditamos cada vez mais, “imaginação da linguagem”.
Adiante visita Cruz e Souza, com sua dicção cabalística, “o turbilhão de sideralidades e vertigens “arrastando-nos o poeta para a morada da miséria humana. Ou trata de Otto Lara Resende secreto e inabordável. Ou conta um fato curioso sobre o inesquecível Austregésilo de Athayde: um grupo de companheiros o procurou, reivindicando o seguro-saúde, todos pobres e sua resposta foi:” Não se preocupem, vocês são os meus filhos bem-amados e haverão todos de morrer nos meus braços”. Os temas são muitos, alguns bem ou mal-assombrados pela lucidez abrasadora de Lêdo Ivo, onde na calmaria, de passagem pelas coisas como no proverbial ensaio britânico, vislumbra ainda “o frêmito dos jardins enfurecidos”, seja da imaginação da memória, ou da memória da imaginação.
Diário da Manhã (GO), 15/5/2010
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